domingo, 28 de dezembro de 2014

Mensagem do Papa Francisco para o XLVIII Dia Mundial da Paz


 12 de Dezembro de 2014, às 13:09
1º de janeiro de 2015
Já não escravos, mas irmãos
1. No início dum novo ano, que acolhemos como uma graça e um dom de Deus para a humanidade, desejo dirigir, a cada homem e mulher, bem como a todos os povos e nações do mundo, aos chefes de Estado e de Governo e aos responsáveis das várias religiões, os meus ardentes votos de paz, que acompanho com a minha oração a fim de que cessem as guerras, os conflitos e os inúmeros sofrimentos provocados quer pela mão do homem quer por velhas e novas epidemias e pelos efeitos devastadores das calamidades naturais. Rezo de modo particular para que, respondendo à nossa vocação comum de colaborar com Deus e com todas as pessoas de boa vontade para a promoção da concórdia e da paz no mundo, saibamos resistir à tentação de nos comportarmos de forma não digna da nossa humanidade.
Já, na minha mensagem para o 1º de Janeiro passado, fazia notar que «o anseio duma vida plena (…) contém uma aspiração irreprimível de fraternidade, impelindo à comunhão com os outros, em quem não encontramos inimigos ou concorrentes, mas irmãos que devemos acolher e abraçar».[1] Sendo o homem um ser relacional, destinado a realizar-se no contexto de relações interpessoais inspiradas pela justiça e a caridade, é fundamental para o seu desenvolvimento que sejam reconhecidas e respeitadas a sua dignidade, liberdade e autonomia. Infelizmente, o flagelo generalizado da exploração do homem pelo homem fere gravemente a vida de comunhão e a vocação a tecer relações interpessoais marcadas pelo respeito, a justiça e a caridade. Tal fenómeno abominável, que leva a espezinhar os direitos fundamentais do outro e a aniquilar a sua liberdade e dignidade, assume múltiplas formas sobre as quais desejo deter-me, brevemente, para que, à luz da Palavra de Deus, possamos considerar todos os homens, «já não escravos, mas irmãos».
À escuta do projecto de Deus para a humanidade
2. O tema, que escolhi para esta mensagem, inspira-se na Carta de São Paulo a Filémon; nela, o Apóstolo pede ao seu colaborador para acolher Onésimo, que antes era escravo do próprio Filémon mas agora tornou-se cristão, merecendo por isso mesmo, segundo Paulo, ser considerado um irmão. Escreve o Apóstolo dos gentios: «Ele foi afastado por breve tempo, a fim de que o recebas para sempre, não já como escravo, mas muito mais do que um escravo, como irmão querido» (Flm 15-16). Tornando-se cristão, Onésimo passou a ser irmão de Filémon. Deste modo, a conversão a Cristo, o início duma vida de discipulado em Cristo constitui um novo nascimento (cf. 2 Cor 5, 17; 1 Ped 1, 3), que regenera a fraternidade como vínculo fundante da vida familiar e alicerce da vida social.
Lemos, no livro do Génesis (cf. 1, 27-28), que Deus criou o ser humano como homem e mulher e abençoou-os para que crescessem e se multiplicassem: a Adão e Eva, fê-los pais, que, no cumprimento da bênção de Deus para ser fecundos e multiplicar-se, geraram a primeira fraternidade: a de Caim e Abel. Saídos do mesmo ventre, Caim e Abel são irmãos e, por isso, têm a mesma origem, natureza e dignidade de seus pais, criados à imagem e semelhança de Deus.
Mas, apesar de os irmãos estarem ligados por nascimento e possuírem a mesma natureza e a mesma dignidade, a fraternidadeexprime também a multiplicidade e a diferença que existe entre eles. Por conseguinte, como irmãos e irmãs, todas as pessoas estão, por natureza, relacionadas umas com as outras, cada qual com a própria especificidade e todas partilhando a mesma origem, natureza e dignidade. Em virtude disso, a fraternidade constitui a rede de relações fundamentais para a construção da família humana criada por Deus.
Infelizmente, entre a primeira criação narrada no livro do Génesis e o novo nascimento em Cristo – que torna, os crentes, irmãos e irmãs do «primogénito de muitos irmãos» (Rom 8, 29) –, existe a realidade negativa do pecado, que interrompe tantas vezes a nossa fraternidade de criaturas e deforma continuamente a beleza e nobreza de sermos irmãos e irmãs da mesma família humana. Caim não só não suporta o seu irmão Abel, mas mata-o por inveja, cometendo o primeiro fratricídio. «O assassinato de Abel por Caim atesta, tragicamente, a rejeição radical da vocação a ser irmãos. A sua história (cf. Gen 4, 1-16) põe em evidência o difícil dever, a que todos os homens são chamados, de viver juntos, cuidando uns dos outros».[2]
Também na história da família de Noé e seus filhos (cf. Gen 9, 18-27), é a falta de piedade de Cam para com seu pai, Noé, que impele este a amaldiçoar o filho irreverente e a abençoar os outros que o tinham honrado, dando assim lugar a uma desigualdade entre irmãos nascidos do mesmo ventre.
Na narração das origens da família humana, o pecado de afastamento de Deus, da figura do pai e do irmão torna-se uma expressão da recusa da comunhão e traduz-se na cultura da servidão (cf. Gen 9, 25-27), com as consequências daí resultantes que se prolongam de geração em geração: rejeição do outro, maus-tratos às pessoas, violação da dignidade e dos direitos fundamentais, institucionalização de desigualdades. Daqui se vê a necessidade duma conversão contínua à Aliança levada à perfeição pela oblação de Cristo na cruz, confiantes de que, «onde abundou o pecado, superabundou a graça (…) por Jesus Cristo» (Rom 5, 20.21). Ele, o Filho amado (cf. Mt 3, 17), veio para revelar o amor do Pai pela humanidade. Todo aquele que escuta o Evangelho e acolhe o seu apelo à conversão, torna-se, para Jesus, «irmão, irmã e mãe» (Mt 12, 50) e, consequentemente, filho adoptivo de seu Pai (cf. Ef 1, 5).
No entanto, os seres humanos não se tornam cristãos, filhos do Pai e irmãos em Cristo por imposição divina, isto é, sem o exercício da liberdade pessoal, sem se converterem livremente a Cristo. Ser filho de Deus requer que primeiro se abrace o imperativo da conversão: «Convertei-vos – dizia Pedro no dia de Pentecostes – e peça cada um o baptismo em nome de Jesus Cristo, para a remissão dos seus pecados; recebereis, então, o dom do Espírito Santo» (Act 2, 38). Todos aqueles que responderam com a fé e a vida àquela pregação de Pedro, entraram na fraternidade da primeira comunidade cristã (cf. 1 Ped 2, 17; Act 1, 15.16; 6, 3; 15, 23): judeus e gregos, escravos e homens livres (cf. 1 Cor 12, 13; Gal 3, 28), cuja diversidade de origem e estado social não diminui a dignidade de cada um, nem exclui ninguém do povo de Deus. Por isso, a comunidade cristã é o lugar da comunhão vivida no amor entre os irmãos (cf. Rom 12, 10; 1 Tes 4, 9; Heb 13, 1; 1 Ped 1, 22; 2 Ped 1, 7).
Tudo isto prova como a Boa Nova de Jesus Cristo – por meio de Quem Deus «renova todas as coisas» (Ap 21, 5)[3] – é capaz de redimir também as relações entre os homens, incluindo a relação entre um escravo e o seu senhor, pondo em evidência aquilo que ambos têm em comum: a filiação adoptiva e o vínculo de fraternidade em Cristo. O próprio Jesus disse aos seus discípulos: «Já não vos chamo servos, visto que um servo não está ao corrente do que faz o seu senhor; mas a vós chamei-vos amigos, porque vos dei a conhecer tudo o que ouvi ao meu Pai» (Jo 15, 15).

As múltiplas faces da escravatura, ontem e hoje
3. Desde tempos imemoriais, as diferentes sociedades humanas conhecem o fenómeno da sujeição do homem pelo homem. Houve períodos na história da humanidade em que a instituição da escravatura era geralmente admitida e regulamentada pelo direito. Este estabelecia quem nascia livre e quem, pelo contrário, nascia escravo, bem como as condições em que a pessoa, nascida livre, podia perder a sua liberdade ou recuperá-la. Por outras palavras, o próprio direito admitia que algumas pessoas podiam ou deviam ser consideradas propriedade de outra pessoa, a qual podia dispor livremente delas; o escravo podia ser vendido e comprado, cedido e adquirido como se fosse uma mercadoria qualquer.
Hoje, na sequência duma evolução positiva da consciência da humanidade, a escravatura – delito de lesa humanidade[4] – foi formalmente abolida no mundo. O direito de cada pessoa não ser mantida em estado de escravidão ou servidão foi reconhecido, no direito internacional, como norma inderrogável.
Mas, apesar de a comunidade internacional ter adoptado numerosos acordos para pôr termo à escravatura em todas as suas formas e ter lançado diversas estratégias para combater este fenómeno, ainda hoje milhões de pessoas – crianças, homens e mulheres de todas as idades – são privadas da liberdade e constrangidas a viver em condições semelhantes às da escravatura.
Penso em tantos trabalhadores e trabalhadoras, mesmo menores, escravizados nos mais diversos sectores, a nível formal e informal, desde o trabalho doméstico ao trabalho agrícola, da indústria manufactureira à mineração, tanto nos países onde a legislação do trabalho não está conforme às normas e padrões mínimos internacionais, como – ainda que ilegalmente – naqueles cuja legislação protege o trabalhador.
Penso também nas condições de vida de muitos migrantes que, ao longo do seu trajecto dramático, padecem a fome, são privados da liberdade, despojados dos seus bens ou abusados física e sexualmente. Penso em tantos deles que, chegados ao destino depois duma viagem duríssima e dominada pelo medo e a insegurança, ficam detidos em condições às vezes desumanas. Penso em tantos deles que diversas circunstâncias sociais, políticas e económicas impelem a passar à clandestinidade, e naqueles que, para permanecer na legalidade, aceitam viver e trabalhar em condições indignas, especialmente quando as legislações nacionais criam ou permitem uma dependência estrutural do trabalhador migrante em relação ao dador de trabalho como, por exemplo, condicionando a legalidade da estadia ao contrato de trabalho... Sim! Penso no «trabalho escravo».
Penso nas pessoas obrigadas a prostituírem-se, entre as quais se contam muitos menores, e nas escravas e escravos sexuais; nas mulheres forçadas a casar-se, quer as que são vendidas para casamento quer as que são deixadas em sucessão a um familiar por morte do marido, sem que tenham o direito de dar ou não o próprio consentimento.
Não posso deixar de pensar a quantos, menores e adultos, são objecto de tráfico e comercialização para remoção de órgãos, para ser recrutados como soldados, para servir de pedintes, para actividades ilegais como a produção ou venda de drogas, ou paraformas disfarçadas de adopção internacional.
Penso, enfim, em todos aqueles que são raptados e mantidos em cativeiro por grupos terroristas, servindo os seus objectivos como combatentes ou, especialmente no que diz respeito às meninas e mulheres, como escravas sexuais. Muitos deles desaparecem, alguns são vendidos várias vezes, torturados, mutilados ou mortos.

Algumas causas profundas da escravatura
4. Hoje como ontem, na raiz da escravatura, está uma concepção da pessoa humana que admite a possibilidade de a tratar como um objecto. Quando o pecado corrompe o coração do homem e o afasta do seu Criador e dos seus semelhantes, estes deixam de ser sentidos como seres de igual dignidade, como irmãos e irmãs em humanidade, passando a ser vistos como objectos. Com a força, o engano, a coacção física ou psicológica, a pessoa humana – criada à imagem e semelhança de Deus – é privada da liberdade, mercantilizada, reduzida a propriedade de alguém; é tratada como meio, e não como fim. Juntamente com esta causa ontológica – a rejeição da humanidade no outro –, há outras causas que concorrem para se explicar as formas actuais de escravatura. Entre elas, penso em primeiro lugar na pobreza, no subdesenvolvimento e na exclusão, especialmente quando os três se aliam com a falta de acesso à educação ou com uma realidade caracterizada por escassas, se não mesmo inexistentes, oportunidades de emprego. Não raro, as vítimas de tráfico e servidão são pessoas que procuravam uma forma de sair da condição de pobreza extrema e, dando crédito a falsas promessas de trabalho, caíram nas mãos das redes criminosas que gerem o tráfico de seres humanos. Estas redes utilizam habilmente as tecnologias informáticas modernas para atrair jovens e adolescentes de todos os cantos do mundo.
Entre as causas da escravatura, deve ser incluída também a corrupção daqueles que, para enriquecer, estão dispostos a tudo. Na realidade, a servidão e o tráfico das pessoas humanas requerem uma cumplicidade que muitas vezes passa através da corrupção dos intermediários, de alguns membros das forças da polícia, de outros actores do Estado ou de variadas instituições, civis e militares. «Isto acontece quando, no centro de um sistema económico, está o deus dinheiro, e não o homem, a pessoa humana. Sim, no centro de cada sistema social ou económico, deve estar a pessoa, imagem de Deus, criada para que fosse o dominador do universo. Quando a pessoa é deslocada e chega o deus dinheiro, dá-se esta inversão de valores».[5]
Outras causas da escravidão são os conflitos armados, as violências, a criminalidade e o terrorismo. Há inúmeras pessoas raptadas para ser vendidas, recrutadas como combatentes ou exploradas sexualmente, enquanto outras se vêem obrigadas a emigrar, deixando tudo o que possuem: terra, casa, propriedades e mesmo os familiares. Estas últimas, impelidas a procurar uma alternativa a tão terríveis condições, mesmo à custa da própria dignidade e sobrevivência, arriscam-se assim a entrar naquele círculo vicioso que as torna presa da miséria, da corrupção e das suas consequências perniciosas.


Um compromisso comum para vencer a escravatura
5. Quando se observa o fenómeno do comércio de pessoas, do tráfico ilegal de migrantes e de outras faces conhecidas e desconhecidas da escravidão, fica-se frequentemente com a impressão de que o mesmo tem lugar no meio da indiferença geral.
Sem negar que isto seja, infelizmente, verdade em grande parte, apraz-me mencionar o enorme trabalho que muitas congregações religiosas, especialmente femininas, realizam silenciosamente, há tantos anos, a favor das vítimas. Tais institutos actuam em contextos difíceis, por vezes dominados pela violência, procurando quebrar as cadeias invisíveis que mantêm as vítimas presas aos seus traficantes e exploradores; cadeias, cujos elos são feitos não só de subtis mecanismos psicológicos que tornam as vítimas dependentes dos seus algozes, através de chantagem e ameaça a eles e aos seus entes queridos, mas também através de meios materiais, como a apreensão dos documentos de identidade e a violência física. A actividade das congregações religiosas está articulada a três níveis principais: o socorro às vítimas, a sua reabilitação sob o perfil psicológico e formativo e a sua reintegração na sociedade de destino ou de origem.
Este trabalho imenso, que requer coragem, paciência e perseverança, merece o aplauso da Igreja inteira e da sociedade. Naturalmente o aplauso, por si só, não basta para se pôr termo ao flagelo da exploração da pessoa humana. Faz falta também um tríplice empenho a nível institucional: prevenção, protecção das vítimas e acção judicial contra os responsáveis. Além disso, assim como as organizações criminosas usam redes globais para alcançar os seus objectivos, assim também a acção para vencer este fenómeno requer um esforço comum e igualmente global por parte dos diferentes actores que compõem a sociedade.
Os Estados deveriam vigiar por que as respectivas legislações nacionais sobre as migrações, o trabalho, as adopções, a transferência das empresas e a comercialização de produtos feitos por meio da exploração do trabalho sejam efectivamente respeitadoras da dignidade da pessoa. São necessárias leis justas, centradas na pessoa humana, que defendam os seus direitos fundamentais e, se violados, os recuperem reabilitando quem é vítima e assegurando a sua incolumidade, como são necessários também mecanismos eficazes de controle da correcta aplicação de tais normas, que não deixem espaço à corrupção e à impunidade. É preciso ainda que seja reconhecido o papel da mulher na sociedade, intervindo também no plano cultural e da comunicação para se obter os resultados esperados.
As organizações intergovernamentais são chamadas, no respeito pelo princípio da subsidiariedade, a implementar iniciativas coordenadas para combater as redes transnacionais do crime organizado que gerem o mercado de pessoas humanas e o tráfico ilegal dos migrantes. Torna-se necessária uma cooperação a vários níveis, que englobe as instituições nacionais e internacionais, bem como as organizações da sociedade civil e do mundo empresarial.
Com efeito, as empresas[6] têm o dever não só de garantir aos seus empregados condições de trabalho dignas e salários adequados, mas também de vigiar por que não tenham lugar, nas cadeias de distribuição, formas de servidão ou tráfico de pessoas humanas. A par da responsabilidade social da empresa, aparece depois a responsabilidade social do consumidor. Na realidade, cada pessoa deveria ter consciência de que «comprar é sempre um acto moral, para além de económico».[7]
As organizações da sociedade civil, por sua vez, têm o dever de sensibilizar e estimular as consciências sobre os passos necessários para combater e erradicar a cultura da servidão.
Nos últimos anos, a Santa Sé, acolhendo o grito de sofrimento das vítimas do tráfico e a voz das congregações religiosas que as acompanham rumo à libertação, multiplicou os apelos à comunidade internacional pedindo que os diversos actores unam os seus esforços e cooperem para acabar com este flagelo.[8] Além disso, foram organizados alguns encontros com a finalidade de dar visibilidade ao fenómeno do tráfico de pessoas e facilitar a colaboração entre os diferentes actores, incluindo peritos do mundo académico e das organizações internacionais, forças da polícia dos diferentes países de origem, trânsito e destino dos migrantes, e representantes dos grupos eclesiais comprometidos em favor das vítimas. Espero que este empenho continue e se reforce nos próximos anos.
Globalizar a fraternidade, não a escravidão nem a indiferença
6. Na sua actividade de «proclamação da verdade do amor de Cristo na sociedade»,[9] a Igreja não cessa de se empenhar em acções de carácter caritativo guiada pela verdade sobre o homem. Ela tem o dever de mostrar a todos o caminho da conversão, que induz a voltar os olhos para o próximo, a ver no outro – seja ele quem for – um irmão e uma irmã em humanidade, a reconhecer a sua dignidade intrínseca na verdade e na liberdade, como nos ensina a história de Josefina Bakhita, a Santa originária da região do Darfur, no Sudão. Raptada por traficantes de escravos e vendida a patrões desalmados desde a idade de nove anos, haveria de tornar-se, depois de dolorosas vicissitudes, «uma livre filha de Deus» mediante a fé vivida na consagração religiosa e no serviço aos outros, especialmente aos pequenos e fracos. Esta Santa, que viveu a cavalo entre os séculos XIX e XX, é também hoje testemunha exemplar de esperança[10] para as numerosas vítimas da escravatura e pode apoiar os esforços de quantos se dedicam à luta contra esta «ferida no corpo da humanidade contemporânea, uma chaga na carne de Cristo».[11]
Nesta perspectiva, desejo convidar cada um, segundo a respectiva missão e responsabilidades particulares, a realizar gestos de fraternidade a bem de quantos são mantidos em estado de servidão. Perguntemo-nos, enquanto comunidade e indivíduo, como nos sentimos interpelados quando, na vida quotidiana, nos encontramos ou lidamos com pessoas que poderiam ser vítimas do tráfico de seres humanos ou, quando temos de comprar, se escolhemos produtos que poderiam razoavelmente resultar da exploração de outras pessoas. Há alguns de nós que, por indiferença, porque distraídos com as preocupações diárias, ou por razões económicas, fecham os olhos. Outros, pelo contrário, optam por fazer algo de positivo, comprometendo-se nas associações da sociedade civil ou praticando no dia-a-dia pequenos gestos como dirigir uma palavra, trocar um cumprimento, dizer «bom dia» ou oferecer um sorriso; estes gestos, que têm imenso valor e não nos custam nada, podem dar esperança, abrir estradas, mudar a vida a uma pessoa que tacteia na invisibilidade e mudar também a nossa vida face a esta realidade.
Temos de reconhecer que estamos perante um fenómeno mundial que excede as competências de uma única comunidade ou nação. Para vencê-lo, é preciso uma mobilização de dimensões comparáveis às do próprio fenómeno. Por esta razão, lanço um veemente apelo a todos os homens e mulheres de boa vontade e a quantos, mesmo nos mais altos níveis das instituições, são testemunhas, de perto ou de longe, do flagelo da escravidão contemporânea, para que não se tornem cúmplices deste mal, não afastem o olhar à vista dos sofrimentos de seus irmãos e irmãs em humanidade, privados de liberdade e dignidade, mas tenham a coragem de tocar a carne sofredora de Cristo,[12] o Qual Se torna visível através dos rostos inumeráveis daqueles a quem Ele mesmo chama os «meus irmãos mais pequeninos» (Mt 25, 40.45).
Sabemos que Deus perguntará a cada um de nós: Que fizeste do teu irmão? (cf. Gen 4, 9-10). A globalização da indiferença, que hoje pesa sobre a vida de tantas irmãs e de tantos irmãos, requer de todos nós que nos façamos artífices duma globalização da solidariedade e da fraternidade que possa devolver-lhes a esperança e levá-los a retomar, com coragem, o caminho através dos problemas do nosso tempo e as novas perspectivas que este traz consigo e que Deus coloca nas nossas mãos.
Vaticano, 8 de Dezembro de 2014.

FRANCISCUS

quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

Feliz Natal


Nesta noite contemplamos o mistério de um Deus feito homem. Ele faz-se um de nós e caminha connosco.


Mensagem de Natal de Dom António Marto

A Alegria do Natal em Família
† António Marto
Leiria, 13 de dezembro de 2013

Refª: BD2013B–007
Com Jesus Cristo renasce a alegria
O Natal de Jesus não é uma lenda edificante ou apenas uma piedosa tradição, nem simplesmente mais uma festa do calendário a convidar ao consumismo. O Natal autêntico é uma história verdadeira e verificável, cujo conteúdo e alcance profundo e universal só se descobre à luz da fé.
O Natal põe no centro da nossa contemplação o rosto de um Deus de ternura que se fez homem para nos abraçar na sua amizade, para nos envolver na sua luz, para partilhar as nossa alegrias e tristezas, para reconfortar e tratar as diversas chagas da vida, para cuidar dos feridos e aquecer os corações distanciados pela indiferença, para abater todos os muros que dividem, para oferecer a verdadeira paz. O sonho de Deus é fazer da humanidade uma única família.
Eis a beleza e a alegria do Natal em palavras do Papa Francisco: “ A alegria do Evangelho enche o coração e a vida inteira dos que se encontram com Jesus. Quantos se deixam salvar por Ele são libertados do pecado, da tristeza, do vazio interior, do isolamento. Com Jesus Cristo renasce, sem cessar, a alegria”.
Pensamos que a encarnação de Jesus é um facto apenas do passado que não nos toca pessoalmente? Ofereçamos-Lhe a nossa carne, o nosso coração, a nossa pessoa para comunicar a sua ternura ao mundo de hoje!

A ternura e a alegria do Natal em família
Outra caraterística do Natal é a dimensão familiar tão ternamente apresentada pelo profeta Malaquias: “Ele (o Messias) há-de trazer o coração dos pais a seus filhos e o coração dos filhos a seus pais”. Este aspeto é traduzido visualmente no belo ícone da Sagrada Família de Nazaré em que sobressai a figura de Maria com o menino ao colo. O Papa Francisco sublinha com vigor esta ternura: “Sempre que olhamos para Maria, voltamos a acreditar na força revolucionária da ternura e do afeto”.
Neste ano pastoral dedicado à família devemos prestar especial atenção a este aspeto para renovar e reforçar a alegria e a beleza dos laços familiares à luz do Natal. Cito de novo o Papa Francisco: “Na base do sentimento de alegria profunda está a presença de Deus na família, está a seu amor acolhedor, misericordioso, respeitador de todos... Só Deus é capaz de criar a harmonia das diferenças. Se falta o amor de Deus, também a família perde a harmonia, prevalecem os individualismos e extingue-se a alegria”. Deixamos Deus entrar na nossa família?
Vamos viver um Natal diferente em família?

A alegria solidária do Natal
Não há Natal sem fraternidade e solidariedade a nível comunitário e social. O Filho de Deus nasce para todos: n’Ele todos somos irmãos. Convida-nos à alegria solidária.  À cultura do descartável e da exclusão, Ele opõe a cultura do encontro e da inclusão; face à globalização da indiferença propõe a globalização da solidariedade. “Há mais alegria em dar do que em receber”(At 20, 35), disse Jesus.
A celebração do Natal de Cristo terá de se traduzir em atitudes, gestos e ações de partilha e de solidariedade com as pessoas e as famílias mais necessitadas sobretudo nestes tempos de crise. Já nos propusemos fazer algo neste sentido?
A Caritas portuguesa, como nos anos anteriores, lançou a operação “10 milhões de estrelas”. Com esta campanha propõe que até ao  Natal se acenda em cada lar uma vela em nome da justiça, da solidariedade e da paz. Cada vela custa um euro. As verbas reverterão em 65% a favor das famílias e pessoas em situação de carência socioeconómica através da Caritas diocesana e, em 35%, para ajudar as vítimas do conflito na Síria. Apelo à participação generosa de todos nesta iniciativa tão necessária e útil.
Faço votos de que a luz do Natal seja a estrela que revela o caminho do amor, do encontro, da partilha, da unidade e da paz nos corações, em cada família e na sociedade!
A todos os diocesanos desejo Santo e Fraterno Natal e Feliz Ano de 2014! 

sábado, 28 de junho de 2014

A Eucaristia


Festa de S. Pedro e S. Paulo

DUAS COLUNAS (BI)MILENARES

- Na nossa vida, há experiências únicas. Tive a oportunidade inesperada de visitar um dia o túmulo de S. Pedro (7 de Maio de 2003). Aí está um pequeno monumento do século I, a 11 metros de profundidade em relação ao chão da atual Basílica de S. Pedro… Foi um momento único… De facto, a nossa fé é um dom de Deus, mas ela assenta também em factos históricos, em pessoas concretas.
-  Em Roma, pode-se visitar o túmulo de S. Paulo, na Basílica com o seu nome.
- No arco da capela das Pedrosas, estão os dois pintados, um de cada lado! Estas pinturas mereceram um artigo no nosso jornal diocesano de há uma semana. A nossa igreja tem um painel de S. Pedro, com uma grande chave!

1. OS ESTILOS DE PEDRO E PAULO
- Pedro é representado habitualmente com as chaves, por alusão à passagem evangélica, em que o Senhor lhe diz: “dar-te-ei as chaves do Reino dos Céus…”
-  Paulo é representado pela espada: ele é o apostolo da Palavra (“a Palavra é como uma espada de dois gumes”- dirá) e porque morreu à espada…
-  O que é que os distingue: o seu estilo pessoal. Paulo é um verdadeiro intelectual do tempo, uma pessoa muito preparada a nível filosófico e bíblico, além disso muito radical, não tinha nada de meias medidas. Como judeu, zeloso e até violento para com aqueles que ele achava que estavam a estragar a religião de Moisés. Depois da conversão, nunca olha a esforços ou perigos para anunciar o Evangelho. Com Barnabé, sente-se enviados ao mundo grego da altura.
-  Pedro é um homem simples, muito humilde, ás vezes parece um pouco trapalhão. Porém, muito decidido: deixa tudo para seguir o Mestre (tudo é mesmo tudo: família, trabalho, casa, amigos…), decidido a dizer o que lhe vai na alma e quando todos se calam, ele fala por todos. Não consegue chegar até à cruz, mas tenta… e vive-a à sua maneira!
-  Pedro é o primeiro Papa. Faz a primeira pregação da Igreja no dia de Pentecostes. A sua função é salvar a unidade da Igreja, na fé e na caridade.

2. DOIS ALICERCES DA IGREJA
-  Há um aspeto que os une: ambos amam apaixonadamente o Senhor. Ambos se sentem disponíveis para ir até ao fim do mundo. Ambos prontos para dar a vida pelo Senhor. Não temem, por isso, qualquer obstáculo ou perigo ou ameaça…
-  O amor não teme o esforço e mesmo o sacrifício por quem se ama. No diálogo de Jesus com Pedro, sobressaem duas coisas interessantes:
-  A fé é sobretudo uma questão de amor (não de cultura ou raciocínio…)
-  Pedro precisa de Jesus e de que Ele o aceite de novo, dando-lhe a possibilidade de apagar as três negações com três declarações: “tu bem sabes que eu Te amo”.
-  Porém, Jesus precisa de Pedro, não de um anjo, mas de alguém de carne e osso, que, mesmo fraco, tem no coração um amor imenso por Jesus.
-  Nós precisamos de amar a Jesus, como Pedro e Paulo e os verdadeiros cristãos de todos os tempos. Cristo Ressuscitado é o segredo da vida, dá-nos força para enfrentarmos as nossas noites… Sem ele nada, com Ele, tudo é possível.
-  Mas, ao mesmo tempo, não podemos recusar a Igreja constituída por seres humanos como nós, mas com Cristo no centro e a presença do Espírito Santo. Devemos aceitar a Igreja que Pedro e Paulo sustêm com o seu zelo, com o seu exemplo, com o seu testemunho de martírio e com a sua intercessão…
-  Aceitar a Igreja é aceitar Cristo (“quem vos ouve a Mim ouve”). Aceitar Cristo é dizer-lhe, em cada dia: “Tu és para mim o Senhor, o Filho de Deus vivo. Ajuda -me, Senhor, a amar-Te como te amaram Pedro e  Paulo”.

 Pe. Cardoso





sábado, 10 de maio de 2014

IV Páscoa – A

O PASTOR BELO

A beleza é hoje considerada um dos caminhos que melhor conduz ao infinito. A palavra  usada para dizer o “bom” pastor é a mesma para dizer “belo” pastor!
Se a beleza é um dos caminhos da nova evangelização, que interesse tem um belo Pastor?

1. TEMOS UM BELO PASTOR
- No rebanho, o Pastor tem um lugar chave, para impedir que (as ovelhas) nos desorientemos e nos tornemos preza fácil de toda a espécie de lobos...
- Hoje, os lobos continuam a ser uma mentalidade que procura o mais fácil, que vive com se Deus não existisse e não sabe que a felicidade está na procura do bem, da verdade e do belo!
- Lobo, para a fé, é também uma cultura hedonista (prazer pelo prazer) que nos fecha num individualismo vazio, que nos fecha a Deus e aos outros.
- Tudo isto com a ajuda do nosso egoísmo, que é muito “esperto” e encontra sempre formas de se disfarçar (até de sentimentos religiosos).
- Sem um Pastor Bom e Belo, sucumbimos às dificuldades do caminho e ao desânimo das limitações, da experiência do fracasso moral, profissional ou familiar.

2. A SUA VOZ É ÚNICA
- Queremos escutar a sua voz, que nos chega na Palavra e acontecimentos! Na suavidade do silêncio de uma Igreja ou na simples palavra de uma pessoa de fé!
- O nosso pastor é Cristo, que atua nos bispos – sucessores dos apóstolos – com especial responsabilidade do Bispo de Roma, “Pastor Universal”.
- O pároco desenvolve a sua ação em total unidade e dependência do seu Bispo. Participa do ministério do Bispo.
- A atividade dos pastores não exclui, antes pressupõe a vivência do sacerdócio batismal por todo o Povo de Deus: ministros, leigos e religiosos.
- “À luz dos ensinamentos e do exemplo do Bom Pastor, toda a Igreja, participante da graça da Redenção difundida em todo o Corpo de Cristo pelo Espírito Santo, é e atua como uma comunidade sacerdotal(João Paulo II, Creo en la Iglesia, 143). Por isso, toda a Igreja tem de anunciar Cristo Senhor.
- Seguir os ensinamentos do Santo Padre e do nosso Bispo é seguir Cristo.
- O pensamento da Igreja não é para desprezar, mas para entender e colocar em prática, uma vez que Deus fala-nos aí: “Quem vos ouve a Mim ouve”!

3. A ELE, VOLTAR SEMPRE !
- “Vós éreis como ovelhas desgarradas, mas agora voltastes para o vosso Pastor”.
- Além do voltar que significa a conversão inicial, é preciso que a nossa vida seja um constante voltar o olhar para o verdadeiro Pastor.
- “Sentiram o coração trespassado” e perguntaram: “Que havemos de fazer?” Em primeiro lugar, “convertei-vos”, respondia Pedro.
-  Deixar-se guiar pela Palavra é confiar no Bom Pastor, com a sua voz suave!
-  Mesmo se nos sentimos perdidos, fixemos sempre o nosso olhar no seu Olhar.
-  A fé não se diz apenas, mas, ao mesmo tempo, vive-se, celebra-se e  reza-se: “Eu vim para que tenham vida em abundância”, isto é, para uma fé – vida.
-  Ao mesmo tempo, rezemos pelas vocações e ajudemos a que elas floresçam.
-  Temos 4 seminaristas na Teologia (da diocese de Viseu) e a média dos padres é de 66 anos. Daqui a 20 anos, haverá metade dos padres (40 ou 50 párocos)! Muitas das nossas tradições religiosas terão de se adaptar!

QUE ATITUDES ?
- 1.Rezar pelas vocações; 2.Respeitar o sentir da Igreja; Fixar sempre o olhar no Ressuscitado!

 Pe. Cardoso


sábado, 26 de abril de 2014

Canonizações



Unidos a toda a Igreja que, ao canonizar dois Papas, o faz com a concelebração de outros dois: o Papa  Francisco e o papa emérito Bento XVI que estará ao seu lado!

Que a unidade dos papas nos ajude a viver "unidos" como a primeira comunidade!

Deus seja louvado e nos dê a verdadeira alegria da Ressurreição!