Toques de vida
Quem poderá dizer se foi por termos sido modelados pelas mãos de Deus que sentimos a importância de tocar e de sermos tocados? Nascemos necessitados que nos toquem com carinho e cuidado, e descobrimos com o tempo o toque da amizade e do amor. Até aprendemos a dizer que há coisas, experiências e pessoas que "nos tocam". No fundo, podíamos contar a nossa vida a partir daquilo que verdadeiramente "nos toca" e que, penetrando no íntimo do ser e do pensar, estrutura a pessoa única e bela que é cada um de nós. Para não falar de todos aqueles que tocamos, algumas vezes sem o cuidado devido, para quem somos mais importantes do que julgamos.
Viajar, descobrir outras paisagens, conhecer novas pessoas é romper as fronteiras do quotidiano e experimentar a riqueza de tocar e ser tocado. A beleza das terras da Nova Inglaterra e o acolhimento dos açorianos de Fall River encheram estes dias de descoberta do Novo Mundo, de imensas experiências. A fé vivida e testemunhada em experiência de comunidade, estruturada numa admirável partilha de responsabilidades, em que muitos se empenham para realizar uma festa extraordinária, foi algo que me tocou profundamente. E o trabalho dedicado daquele que é o seu pastor, incansável e inconformado no dinamismo que o evangelho reclama, na atenção aos sinais dos tempos (o "toque" do Vaticano II) foi o que mais me tocou.
Os evangelhos estão repletos de narrações em que Jesus rompe as inúmeras barreiras religiosas que separavam as pessoas em puras e impuras, que proibiam e desaconselhavam o toque físico. Ele não se cansa de "tocar" com as mãos e com as palavras que saram feridas e até ressuscitam mortos. Com uma onda de ternura e bondade relembra que não somos espíritos descarnados, mortos-vivos ambulantes, e precisamos destes incontáveis "toques" que transmitem vida. O cristianismo vive e celebra-se em experiências sensoriais, eleva o corpo humano a lugar da manifestação do amor de Deus, e definha quando deixamos de "tocar" a vida e de levar a todos a maravilha de Deus nos "tocar". Ah, esterilidade de ideias e até de conceitos teológicos que não assumem a encarnação de Jesus em todas as consequências! Jesus toca porque se aproxima, sem defesas nem guarda-costas, toca porque ama, e toca para que o amor salve. Comunga a nossa existência e partilha connosco a sua essência. Dá a vida nova, pega-nos pela mão e levanta-nos. Não gasta tempo em discursos vazios ou condenações, em piedosas intenções ou a dizer mal da morte. Confirma a fé de quem lhe tocou nas vestes, e ressuscita a filha querida de Jairo.
Queremos tocar Jesus assim? Deixamos que Ele nos toque para nos ressuscitar destas mortes que atrofiam e matam devagarinho? Somos presença de Jesus a tocar o mundo? Neste domingo, nas ordenações de padres e diáconos em Lisboa, as mãos de bispos e padres vão tocar suavemente as cabeças dos que são ordenados. Pedindo que o Espírito Santo desça sobre eles. Que as suas mãos e as suas vidas saibam tocar como Jesus!
P. Vitor Gonçalves
Artigo retirado de http://www.ecclesia.pt/cgi-bin/comentario.pl?id=608
Leituras do dia http://www.ecclesia.pt/cgi-bin/comentario.pl?id=609
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