sábado, 13 de julho de 2013

A luz da fé

O escritor António Alçada Baptista conta uma história exemplar, na primeira pessoa: «Uma vez eu fui operado e estava só no hospital com  meu pai. Tinha uma dor pegada das unhas dos pés às pontas dos cabelos e meu pai estava ao pé de mim. Eu tinha já 19 anos, mas apeteceu-me a sua mão humana e paterna e disse-lhe:

- Deixe-me ver a sua mão.
- Para quê?
- Preciso da sua mão.
Ele sorriu-se e deu-ma, mas imediatamente começaram a funcionar dentro de si as pesadas estruturas marialvas e académicas que recusam a um filho de 19 anos a mão terna dum pai. E, disfarçadamente, começou a retirar a sua mão até que a minha continuou pedinte, mas só e unilateral.».
«Preciso da tua mão». O conhecimento de Deus só pode ser um conhecimento vivido, profundamente experimental. Essa é uma afirmação espantosa que atravessa toda a Revelação Bíblica, tanto do Antigo como do Novo Testamento. Deus está. O Deus transcendente “vê”, “escuta”, “compadece-se”, “mostra-se”, “permite o encontro”. Pense-se no passo fundamental do Livro do Êxodo: «Eu vi, Eu vi a miséria do Meu povo que está no Egipto, ouvi o seu clamor por causa dos seus opressores, pois Eu conheço as suas angústias. Por isso desci a fim de libertá-lo» ( Ex 3,7). A Escritura foge assim a definições e constrói uma gramática eminentemente narrativa. Não conceptualiza: narra, relata, exemplifica. E as imagens que nos oferece de Deus atestam que Ele está presente.   
Com mais razão ainda, o Evangelho de Jesus desautoriza-nos a persistir em fórmulas obscuras. A viragem que Jesus introduz é considerar Deus a partir de dentro. Jesus apresenta-Se como o Filho de Deus. E a relação que mantém com Deus é uma relação filial. Isto é, Jesus vem dizer que Deus O impregna profundamente a ponto de Ele ser Filho e se descobrir como tal. Não é apenas um conhecimento especial que Jesus fornece de Deus. É outra coisa: Deus é a fonte que plasma e ilumina a criatividade messiânica das Suas palavras e dos Seus gestos (Jo 14,8-11)... De certa maneira, o programa de Jesus outra coisa não é que esta filiação. Mergulhados na sua páscoa, somos chamados a viver do seu Espírito, configurados à sua realidade, atravessados e guiados pela sua luz. 
É fundamental percebermos que a relevância do discurso cristão parte, antes de tudo, da sua essência. Claro que o papa Francisco ir ao desembarcadouro de Lampedusa, reclamar corajosamente por políticas mais humanas, deve colher a atenção de todos. Mas de igual maneira deveria ser escutado quando nos propõe, com límpido desassombro, uma reflexão sobre a fé. 

Artigo retirado do P. Tolentino publicado na.agencia.ecclesia.pt

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