1. Trago hoje uma antiga história rabínica, edificante, que se ajusta bem a
este tempo de Novembro. Um homem tinha três amigos. Mas tinha-os catalogados
por ordem de importância: o amigo n.º 1, o amigo n.º 2 e o amigo n.º 3. O amigo
n.º 1 era naturalmente o melhor amigo do nosso homem; digamos que eram amigos
íntimos, e, por isso, inseparáveis: andavam sempre juntos. O amigo n.º 2 era
aquele amigo que o nosso homem encontrava de vez em quando, apenas de vez em
quando, altura em que confraternizavam e punham a conversa em dia. O amigo n.º
3 era aquele género de amigo que o nosso homem encontrava muito raramente, por
mero acaso, e de quem já nem sequer se lembrava do nome.
2. Um dia, o nosso homem foi apanhado de surpresa. Chegou-lhe pelo
correio uma carta que provinha do palácio do Rei. O nosso homem abriu a carta,
leu, releu, e ficou muito preocupado. Tratava-se de uma intimação que obrigava
o nosso homem a comparecer no palácio do Rei. Ora, acontece que o nosso homem,
o homem desta história, nem sabia o que era um Rei, e muito menos um palácio.
Tão pouco sabia o caminho para o palácio. Mas preocupava-o sobretudo o modo
como se devia comportar na presença do Rei. Não era o mundo dele.
3. Ficou aflito. Já nem conseguia comer nem dormir. Apoderou-se dele
uma grande tremedeira. Quando isto nos acontece, lembramo-nos naturalmente de
recorrer aos amigos. Foi assim que o nosso homem foi desabafar com o seu melhor
amigo, o amigo n.º 1. Expôs-lhe o assunto que o preocupava. Tinha sido intimado
a comparecer no palácio do Rei, e tinha muito medo, pois nada percebia de
palácios e de reis. Foi assim que pediu ao seu amigo n.º 1 o favor de o
acompanhar naquela viagem difícil. Nem era nada demais, dado que andavam sempre
juntos, eram amigos inseparáveis. O amigo n.º 1 respondeu assim ao nosso homem:
é verdade que somos muito amigos; de facto, andamos sempre juntos. Pede-me o
que quiseres, que eu estou sempre disposto a ajudar-te; porém, nessa viagem,
não te posso acompanhar.
4. É assim que o nosso homem, desiludido, tem de ir à procura do seu
amigo n.º 2. Pô-lo a par do seu problema, e implorou-lhe, da mesma maneira, que
o acompanhasse naquela viagem difícil. O amigo n.º 2 ouviu atentamente a
exposição do nosso homem, e respondeu assim: sim, disponho-me a acompanhar-te,
mas com uma condição: vou contigo, mas só até à porta do palácio; daí para a
frente, terás de ir sozinho, pois não te posso acompanhar. O nosso homem,
porém, insistiu: mas o meu problema é dentro do palácio, porque eu não entendo
nada de reis e de palácios. Compreendo, retorquiu o amigo n.º 2, mas, nesse
caso, não te posso mesmo ajudar. Terás de ir sozinho.
5. Foi então que o nosso homem se pôs a caminho para ver se encontrava
o seu amigo n.º 3, aquele amigo de quem já nem se lembrava do nome nem de
quando tinha sido a última vez que se tinham encontrado. Com alguma sorte, lá o
encontrou. Expôs-lhe o problema, e suplicou-lhe que o acompanhasse naquela
viagem difícil. O amigo n.º 3 ouviu atentamente, e nem sequer deixou o nosso
homem terminar. Respondeu logo: mas é claro que te acompanho. Até te digo mais:
ficaria mesmo muito triste, se soubesse que estavas a braços com esse problema,
e não me tivesses dito nada!
6. A história rabínica termina aqui. Mas, para entendermos o seu
alcance, terei de a descodificar. O nosso homem, o homem desta história, sou
eu, és tu, pode ser qualquer um de nós. O Rei é Deus. A viagem é a morte. O
amigo n.º 1, aquele que anda sempre connosco, é a nossa própria vida, os nossos
projetos, os nossos trabalhos, os nossos sonhos, as nossas ambições. De facto,
andamos sempre juntos, somos inseparáveis. Todavia, naquela viagem, os nossos
projetos e trabalhos não nos podem acompanhar. O amigo n.º 2, aquele que
encontramos de vez em quando para confraternizar e pôr a conversa em dia, são
os nossos próprios amigos. Aqueles que se mostram dispostos a ir connosco, mas
só até à porta… do cemitério! O amigo n.º 3, aquele que muito raramente
encontramos, de quem até acabamos por esquecer o nome, mas que até ficaria
triste e sentido se não lhe disséssemos nada, e que é o único que nos pode
acompanhar, é o Bem que fazemos, o Amor que pomos naquilo que fazemos.
7. Bem vistas as coisas, está bom de ver que temos de inverter a
ordem dos nossos amigos, e passar para 1.º lugar aquele que temos no catálogo
em 3.º lugar. Decisivo, decisivo, decisivo é o Amor. Temos de nos encontrar
muito mais vezes com este amigo. Na verdade, diz bem S. Paulo, tudo passa; só o
Amor permanece (1 Coríntios 13,8). Fica atento, meu irmão de Novembro.
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