28/Abril/12
«Que te fiz Eu?!»
1. O recente inquérito sobre as opções religiosas dos portugueses, elaborado pela Universidade Católica Portuguesa, a pedido da Conferência Episcopal, merece ser lido e analisado. Sem entrar nos detalhes, percebe-se uma tendência para a diminuição do número de católicos em Portugal, o seu envelhecimento, a sua concentração no Norte do país, a sua prevalência nas aldeias e vilas e a predominância das mulheres.
2. Conjugando estes elementos com outras tendências – como a cada vez menor
aceitação de aspectos essenciais da doutrina da Igreja mesmo por parte de
muitos católicos – percebe-se que nas próximas décadas deverá continuar a
acentuar-se este modelo: diminuição do número de católicos, comunidades cristãs
cada vez mais pequenas e envelhecidas, maior irrelevância da Igreja no espaço
público...
3. Perante este quadro, vem-me à memória o cântico de Sexta-Feira Santa, preparando a adoração da cruz. De modo poético, apresenta a tristeza com que o Senhor se dirige ao seu povo, interrogando-o: «Que te fiz eu, para me abandonares? Não te tirei da terra do Egipto? Não te alimentei no deserto? Não te dei uma terra boa e espaçosa? E tu, cravaste-me num madeiro!... Meu povo, que te fiz eu?!».
4. Olhando as nossas assembleias litúrgicas sempre menores em número de fiéis, vendo como tantos dos que se dizem católicos ignoram aspectos essenciais do ensinamento da sua Igreja, escutando o ruído das desavenças, das recriminações, percebendo a força das inimizades, sabendo-se cada vez mais preterido em favor do espírito do tempo e dos ídolos do momento... Jesus pode hoje perguntar-nos: «Que vos fiz Eu? Acaso não vos dei a mais santa e humana de todas as leis, a lei do Amor? Acaso não fui a rocha que amparou os vossos pais, os pais dos vossos pais e dos vossos avós, através de tempos bons e maus, na fartura e na miséria? Acaso não morri por vós numa cruz? Acaso não ressuscitei, para que todos possam conhecer a felicidade eterna junto de meu Pai? Que vos fiz Eu?!»
3. Perante este quadro, vem-me à memória o cântico de Sexta-Feira Santa, preparando a adoração da cruz. De modo poético, apresenta a tristeza com que o Senhor se dirige ao seu povo, interrogando-o: «Que te fiz eu, para me abandonares? Não te tirei da terra do Egipto? Não te alimentei no deserto? Não te dei uma terra boa e espaçosa? E tu, cravaste-me num madeiro!... Meu povo, que te fiz eu?!».
4. Olhando as nossas assembleias litúrgicas sempre menores em número de fiéis, vendo como tantos dos que se dizem católicos ignoram aspectos essenciais do ensinamento da sua Igreja, escutando o ruído das desavenças, das recriminações, percebendo a força das inimizades, sabendo-se cada vez mais preterido em favor do espírito do tempo e dos ídolos do momento... Jesus pode hoje perguntar-nos: «Que vos fiz Eu? Acaso não vos dei a mais santa e humana de todas as leis, a lei do Amor? Acaso não fui a rocha que amparou os vossos pais, os pais dos vossos pais e dos vossos avós, através de tempos bons e maus, na fartura e na miséria? Acaso não morri por vós numa cruz? Acaso não ressuscitei, para que todos possam conhecer a felicidade eterna junto de meu Pai? Que vos fiz Eu?!»
Manter as aparências ou assumir a mudança...
1. Jesus não prende ninguém, não força a liberdade. Quando muitos dos que O seguiam se afastaram d’Ele, dizendo: “São duras estas palavras. Quem as pode suportar?», Jesus não fez nada para os reter, não mudou os seus ensinamentos, para lhes tentar agradar. Simplesmente, perguntou aos seus amigos mais chegados: «Também vós quereis ir embora?»
2. «A quem iremos, Senhor? Só Tu tens palavras de vida eterna» (cf. João 6, 60-68). Foi a resposta de Pedro e é a resposta que a Igreja precisa de suscitar, primeiro em si mesma, depois naqueles que se afastam. Convém, por isso, agora que o tema da Nova Evangelização se encontra definitivamente na agenda, pelo menos do Papa Bento XVI (quanto aos bispos e presbíteros, alguns parecem também dispostos a isso), assumir a necessidade de começar a nova evangelização ad intra. Não por acaso, o Papa Bento XVI tem urgido com frequência a conversão da Igreja, nos seus membros, e falado de uma crise de fé que assola a Igreja, sobretudo na Europa.
3. Como levar por diante esta evangelização da Igreja, nos seus membros? Afinal, a maior parte não sente necessidade de ser evangelizada e contenta-se com a rotineira prática das tradições religiosas – um valor, sem dúvida, mas que se perde quando não transforma a vida.
4. Perante um tal cenário, muitos sacerdotes, esforçados e competentes, apostam numa pastoral de manutenção, a única que lhes parece ainda dar alguns frutos: manter as tradições religiosas, os horários das missas, assegurar a celebração dos vários sacramentos... Ao lado, dão o melhor do seu tempo e esforço e obras de cariz social, das quais não parece resultar nada de significativo em termos de evangelização. Obras meritórias, sem dúvida, mas sem sustentação na comunidade paroquial e, portanto, sempre à mercê dos humores de um Estado omnipresente e asfixiante.
5. A lado de tantos sacerdotes assim empenhados, verdadeiros exemplos de homens para Deus e para os outros, surgem infelizmente alguns cujo comportamento pastoral e humano é demolidor para a vida sacerdotal. E, perante tais casos, não raro, os bispos evitam tomar decisões, esperando que o tempo ajude a resolver os problemas – esperança inútil, como se viu nos casos de pedofilia, cujas consequências ainda se vão fazer sentir durante décadas.
6. Que possibilidades temos? Uma é as dioceses continuarem a tentar manter as aparências, durante mais algum tempo: multiplicando as tarefas entregues aos poucos padres realmente disponíveis; chamando alguns leigos, se os houver, a responsabilidades maiores na vida paroquial; rezando para que aumentem as vocações ao sacerdócio, sem acreditarem muito nisso; mantendo a todo o custo a oferta dos sacramentos para quem os pede, mesmo se apenas por tradição; e continuando a consolar-se com os inquéritos cujos números revelam uma maioria sociológica de católicos, mas sem qualquer consequência no modo como se vive.
7. A outra possibilidade é assumir desde já a urgência da situação: assumir que os modelos pastorais sacramentalistas estão esgotados; que o modo de exercer o ministério presbiteral, como está, não tem grande futuro; que a catequese paroquial, apesar das grandes reformas nos manuais, não evangeliza – pois as crianças passam pela catequese mas, na maior parte dos casos, não ficam activas nas comunidades quando chegam à adolescência ou à juventude; que a frieza no acolhimento e o funcionalismo no trato não respondem às expectativas das pessoas, sobretudo daquelas que, afastadas da Igreja, andam espiritualmente inquietas; que as celebrações litúrgicas precisam de ser verdadeiras experiências de fé celebrada e não rituais mais ou menos indiferentes; e que a oração, sob todas as suas formas, precisa de voltar a ser o centro da vida comunitária: a paróquia tem que ser uma escola onde se aprende a rezar, desde a infância, e a oração deve permear toda a vida da comunidade.
8. E tudo isto há-de ser vivido em constante fidelidade ao magistério da Igreja e em união sem quebras com o Papa, pois os muitos ventos de doutrinas que pululam por aí, mesmo entre os católicos (com grupos organizados de sacerdotes e religiosas à cabeça), não deixarão de tentar seduzir os mais distraídos ou os mais susceptíveis à acomodação segundo o espírito do tempo.
9. Uma opção destas pode ser o princípio da nova evangelização das comunidades cristãs. E estas, evangelizadas, poderão evangelizar a sociedade. Como levá-la à prática é uma questão local, não objecto de grandes teorias ou teses académicas: aquele pároco que dá início a uma “escola de oração” e, mesmo com pouca gente, a mantém, reunindo semanalmente as pessoas na Igreja, não para celebrar a missa nem para rezar o terço, mas para as ensinar a rezar e as ajudar a rezar, rezando; aquele grupo de leigos que assume, em colaboração com o pároco, a responsabilidade por um aspecto da vida da paróquia... Há sempre pequenas coisas a acontecer, nas quais se pressentem as sementes do novo, daquilo que o Espírito diz e pede.
10. A escuta atenta e a coragem de apostar no essencial permitirão que as comunidades cristãs sejam, novamente, focos de irradiação de modos alternativos de viver. Nestas comunidades, não serão os números, sociologicamente falando, o mais importante. Importante mesmo será a capacidade de, sendo minoria, viver de modo diferente, como nos primeiros séculos. Diferente não por se distinguir no modo de vestir ou falar ou comer, mas no agir: gente que não casa e descasa ao sabor do momento; não gera filhos fora do casamento; não abandona nem mata, pelo aborto, os filhos gerados; não abandona os seus mais velhos nem os elimina pela eutanásia; cuida dos mais necessitados; trata todos com justiça e diante de todos dá testemunho da razão para agir assim: o facto de se saber gente salva e ressuscitada, em Cristo Jesus, para glória de Deus Pai. Os cristãos dos primeiros séculos fizeram-no, deixaram testemunho disso e ninguém pode negar o sucesso do seu modo de viver. Hoje, podemos não fazer mais, mas precisamos de não fazer menos.
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